sábado, 27 de setembro de 2014

"A MOÇA, AS BORBOLETAS, A MENININHA E A LESMA" - Rita Bittencourt

Há um lado sagrado, da cama,
onde borboletas azuis pousam,
manhãzinha.
A moça, quando acorda,
emaranha-se nelas,
leve como algodão,
pra não ferir-lhes as asas translúcidas,
 orvalhadas de infinito.
E, rígida, ali fica
coberta de borboletas
que lhe tomam inteira,
deixando apenas o rosto nu,
como morta.
E a terra lá fora
arde e ruge,
meninos são mortos
e velhinhos tristes
caminham como lesmas,
lentos, cabisbaixos. Não têm mais, futuro...
E a moça lembrou-se
que uma menininha, ao encontrar uma lesma
lesmejando numa pedra,
virou-se para a avó e disse:
-"vó a concha tá com a língua de fora"!
Menininha inocente, não sabe que a lesma,
 como a moça deitada,
 
estavam inteiras, escancaradas de esperas,
sedentas, plenas de apelos,
com a cara e o corpo de fora,
 para os tapas do mundo.
Mas a moça, abraçada por suas borboletas,
encasulada de azul,
estava quase feliz, deitada naquele lugar sagrado,
 da cama...
 




domingo, 21 de setembro de 2014

"FELIZ ANIVERSÁRIO" - Rita Bittencourt

     Hoje fiz outro almoço de aniversário pra comemorar com minha "familhinha" de cá. Vieram todos e veio o "meu cachorro do meu filho", o Bóris, Bólinho, por quem fiquei perdidamente apaixonada. Nos abraçamos e nos beijamos com paixão - nunca pensei que fosse beijar cachorro! -  e eu sempre fico com sequelas: Rodelas roxas dos carinhos dele, meu amor bandido, que com seis meses já pesa 25 kg. O coração flutuando de notícias boas...  Mas, voltando ao almoço, cortei temperos - pilhas de tomates, cebolas, alhos - e fiz um Arroz de Polvinhos Bebês - tadinhos... - e Bacalhau à Espanhola. Pra arrematar, cuscuz com morangos em calda. Vinho e licor... Começou na cozinha - preciso de plateia - onde todos tomam um vinhozinho pra começar. A mesa, na sala, foi posta por muitas mãos. Todos ajudando... Contemplo do alto da minha maturidade o que construímos... felicidade, amor, solidariedade, harmonia, respeito, amigos... Emocionei-me sentada no lugar do meu marido e percebi que envelheço... Não havia tido, ainda, essa consciência, plena. Estou gostando... Dai, almoçamos como reis e, graças a Deus, ninguém se lembrou de cantar parabéns pois eu ia chorar! Aí, minha família partiu, papai retirou-se mais cedo e foi descansar. Fiquei só.  Na cozinha, na pia, pilhas de pratos grandes e brancos aguardam cuidados, segunda-feira. Fui para meu quarto, coloquei num programa qualquer e, quando "não vi" dormi! Acordei com os Beatles tocando na TV. E o tempo todo que eu dormia eu ouvia as músicas, pode? Acordei de vez, emocionada... Não troquei o canal! Como pode? E lembrei-me do Edson que um dia me pediu:
 - Fia, se um dia eu ficar de cama, sem poder manifestar-me, põe música pra mim?
 - Coloco, meu amor, todas, as mais lindas, não sairei de perto de você, serei suas mãos, seus pés, seus olhos, seus ouvidos, lhe cobrirei de beijos, passarei o calor de meu corpo pra você, ficaremos abraçados...  E nos emocionamos, nos beijamos e ele deu sua risada linda pra conter meu choro que aflorava, beijou meus olhos e disse que isso nunca iria acontecer, pra eu não entristecer-me... Não aconteceu, ele partiu, não da doença, mas da anestesia que não o deixou, mais, acordar!
     Como ando procurando um sinal, procurando- o por aí, pedindo a Deus a graça de permitir que o meu amor se comunique comigo fora dos sonhos, acho que, finalmente, tive a graça, o sinal, com a música que ele tanto amava... Ele a colocou para velar meu sono...
    Sonho com ele sempre, inclusive esta noite em que nos mudávamos para uma casinha antiga e simples com o reboco despencando e as janelas com a tinta descascada - eram três - que, longas e verdes, iam quase até o teto e lembro-me que estava feliz, feliz. E pra disfarçar a simplicidade e a ação do tempo, colocava cortinas nelas, estampadas de azul e verde esfumaçado, um estampado meio marmorizado, como tecidos pintados à mão. E nos abraçávamos, conversávamos e nos beijávamos tanto, e era tão real, e o sonho foi tão longo que acho que durou a noite inteira!
     Nesse momento inda ouço os Beatles: Oh! Darling, It's only love, This boy, And i lover her, Penny Lane,  Girl, Ticket to ride e por aí vai...
     A mesa onde almoçamos aguarda, também, a segunda-feira. Ainda tem por lá, duas taças de vinho vazias e uma de licor, uma garrafa de um tinto ótimo que aqueceu nossos corações e a solidão de uma mesa desarrumada dizendo que todos se foram...
     Nesse momento ouço Michelle... Repito baixinho a letra da música: " meu bem, eu te amo, eu te amo, eu te amo"!
    Foi um FELIZ ANIVERSÁRIO, MEU AMOR! Obrigada pela música! Os Beatles são o máximo!