terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Rita Bittencourt - UMA FÁBULA DE NATAL: QUANDO A CIGARRA E A FORMIGA TORNARAM-SE AMIGAS

    A cigarra bateu à porta da formiga, num dia de muito frio, vento e chuva, faminta, gélida, já com os olhos envidraçados. Pra morrer, sabedora da história antiga, tentava a última cartada:
- Por favor, tenho frio e fome. Acolha-me...
A formiga, dessa vez, não desdenhou, não a explusou, não ficou batendo naquela tecla do "não previniu-se? - etc. e tal... - agora dança!" Alegrou-se. Mágoas? Não tinha... Enquanto, ao longo do verão, juntava grãos e folhas a cigarra cantava. Animava-a. Muitas vezes aquele canto estridente - às vezes parecia que engolira espinhos - a despertava e lhe permitia levar a cabo sua tarefa extenuante. E almejava aquela liberdade. Ah, como invejava aquela cigarra! Como uma dádiva, a recebeu:
- Entre, amiga, cuidarei de ti!
E a carregou pra toca com sua força de gigante. Cuidou das asas úmidas, véus encardidos grudados no corpo, que abriram-se, diáfanas, delicadas rendas. Limpou os imensos e belos olhos jaboticabados descortinados do vidro da morte. Aqueceu-a, alimentou-a. Foi só zelo e atenção. Alguns sóis de inverno nasceram, ventos uivaram e luas apontaram no céu. O canto da cigarra, antes estridente, começou a ecoar pela toca, manso e cauteloso, como se saído de cordas de seda aveludada.
Foram ganhando intimidade, confiança...
_ Por que não pões os grãos de arroz longe da pilha de folhas? Pode mofá-los - arriscava a cigarra, delicada.
A formiga achava que ela estava certa...
E palpitava na cantoria quando a cigarra tinha uma recaída e estrilava, animadíssima:
- Por que não aveludas os agudos e cantas baixinho pra gente dormir mais amansadas? Cantarola...
A cigarra achava que ela estava certa...
Assim, tornaram-se amigas, sem uma ou outra deixar de ser o que era. E no verão, enquanto a cigarra voava pra cumprir sua sina de cantadora e alegrar o mundo,  a formiga exercia sua missão de provedora pra não deixá-lo perecer. Encontravam-se no inverno...
A cigarra já não cantava em agonia desvairada, pra não morrer de canto. A formiga já se permitia tréguas: hora de almoço, folga semanal e já pensava em férias!
-Quem sabe uma viagem juntas, num verão qualquer?
Moral da história: Aceitar as individualidades e ponderar pode selar uma amizade.

Utopia? Que as portas se abram!
Um Natal maravilhoso para todos, de alegria,  amizade, solidariedade!
                                                                       Rita Bittencourt