sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

"Brincos Urucum"

                                        Assim como o fruto,
aberto, pleno, pronto.
Luzes da noite,
estrelas no céu,
plenitude.
Colhido de minhas lembranças,
construídos de minha força,
nascido de cheiros
e extasiamentos.
Colhidos do pé,
do meu olhar de menina,
pequenina...

Brincos em ouro, prata cobre, topázios brancos e pérolas cultivadas.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

"Coração do Lixo, coração de luxo." - Rita Bittencourt


Assim, em minhas mãos pousada,
no chão achada,
coração do lixo.
Bruta, forte, sonho azul
como o mar
ou  como um céu plumbeo de nuvens dágua.
Uma oferenda, uma alegria, um cuidado...
Um presente
 como florinhas baldias
de antigamente, dado às mães
que esperam o retorno do filho,
sempre tão amado...
Obrigada!

Pendente com pedra bruta, couro, turmalinas, prata rodinada,  uma pérola dos mares do Sul, as outras, cultivadas.
A pedra, um presente do meu filho, literalmente, achada no lixo!

domingo, 30 de janeiro de 2011

"Querida vovó" - As lágrimas de Maria - Rita Bittencourt

Por onde andas, vovó? Em que céu pousou, em que galho se empoleirou a minha avó choca, que me aninhava em seus braços e me ninava à noite enquanto eu ouvia a guizalhada dos grilos no mato, que me acalentava, me contava histórias e que ficava me esperando embaixo da laranjeira velha sem espinhos, colher a última laranja madura da temporada? Me dizendo que era fácil, que eu conseguiria? Ah, vó, não sabias com que medo eu subia  naquela velha laranjeira buscando seu último fruto para dá-lo a ti. Não sabias vózinha, que mesmo com um medo medonho, eu subia porque sabia que te encontravas lá embaixo, olhando pra cima, me guiando. Vê-la, pequenina, com seus olhinhos escuros estreitados, era a certeza de que seus  braços estariam abertos, a me esperar. Dirão, os outros, que eras sem juízo, "uma avó permitindo  aquela insensatez, aquela loucura de deixar uma menina de cinco anos subir em árvore daquele jeito". Mas nós duas sabíamos,  que não, não é vó? Nunca soubeste, dito por minha boca, o horizonte que pude ver lá de cima, pois  não sabia me expressar ainda, com as palavras que hoje me saem tão fáceis, nem com a escrita que ansiei tanto saber. Mas sei que avaliavas. Lá, me igualava aos pássaros em revoada, ao gavião que roubava as suas galinhas, ao avião que passava distante, com seu zumbido de lata, levando criançinhas - junto com a cegonha, para mães ansiosas - e carregando meus sonhos e minha saudade ancestral que, até hoje, tenho e não sei de quê... Lá eu conseguia, vó, entender o mundo que me apresentavas pois eu o media enxergando o firmamento. Lembro-me bem, que dizias:
- " Vê, lá longe, o que não consegues enxergar? É tudo o que te espera. Lá, mora o infinito, lá estão as estrelas!"
E tu sabias, vózinha, o que eu sentia, pois conseguias penetrar no meu peito, dissecar meu coração, sabias que, lá de cima, eu podia te entender mesmo as palavras sendo poucas ou nenhuma... Eu, no topo da laranjeira e tu embaixo, me olhando, conseguíamos compreender certos mistérios pois naqueles momentos alcançávamos a sintonia perfeita. Por isso, vó, eu subia com cuidado, menos com medo da altura, mas para não me machucar, pois não queria perder tua confiança. Também porque, mesmo pequena, eu sentia o que querias dizer e não queria que me afastassem de ti por seres corajosa  e por perceber que uma menininha da roça precisava enxergar o horizonte e sonhar com o que havia além. Que uma menininha da roça não podia viver sempre ao rés do chão. E foi dessa forma que me ensinaste a espreitar o mundo que sabíamos, lá fora, e longe, me espreitando. Eu sabia que aquele era teu jeito de cuidar também do crescimento das minhas asas, preparando-as para as tantas investidas que fiz, até aprender a voar.
Não  fazias aquilo com os outros netos, que pediam. Afastava-os da nossa laranjeira velha, distraindo-os com coisinhas do chão, com os pintinhos das galinhas, com os patinhos nadando nos cochos, com os berros dos cabritinhos. E quando eu descia, vózinha, te oferecendo a laranja, a descascava  cuidadosamente com sua faquinha, tirando a casca inteira, espiralada, deixando-a  contornada de caminhos brancos entremeados de verde, produzidos pela lâmina afiada rompendo a casca. E pegavas aquele espiral, de quase metro, me ensinando a rodá-lo por sobre a cabeça, feito laço de pegar novilho no pasto, repetindo o abecedário,  dizendo que, na letra em que a casca se rompesse seria a letra do "príncipe" com o qual eu me casaria - Peguei-me, muitos anos mais tarde,vó, já moça, fazendo isso, cuidando para que a casca se quebrasse, de propósito, na letra do nome do rapaz pelo qual eu estava "apaixonada". - Aí, tiravas um tampo da laranja, cônico como um peão,  deixando um buraquinho miúdo que eu chuchava para soltar o caldo, e tu ainda a apertava em minha boca , deixando o néctar escorrer pela minha garganta e molhar minha roupa, feito um riozinho doce escorrendo par dentro de mim. Devolvia-me , daquela forma, a laranja que eu havia colhido para ti num gesto carregado de simbolismo, cumplicidade e amor.
Sei que sabes, vó,  que encontei o meu "príncipe", que alçei o meu voo, que fui embora e nunca mais voltei e partistes antes que eu estivesse aberta para falar dessas coisas. Sabes que sou feliz, que alcancei o firmamento algumas vezes, que já tenho as estrelas que busquei. Hoje sou avó também, mas quisera eu, vózinha, ter uma laranjeira para um dia ensinar minha neta a colher seus frutos buscando o infinito...
Querida vovó, tenho tanta saudade...

Para meu amigo Angelo...