sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Rita Bittencourt - Brincos "Olhar de Verão" - Joias Contemporâneas

Quero teu olhar ensolarado
como dias reverberados, de verão intenso.
Andas com olhar invernal, com pressa, qual vento sul redemoinhando
e não enxergas minha alma que canta...
Como um pássaro, canta por ti, por teus caminhos, por teu afeto,
canta por tantos, tantos afetos...
 Às vezes, canto de pássaro no fundo da gaiola, mas canta.
 Canto triste...
Um dia talvez, todos voltem, talvez tu voltes e deites em meu colo
tua cabeça de negros cachos aparados
rente, como usa-se por aí...
Talvez nos abracemos todos, de verdade.
E afagarei teus cabelos e beijarei tua cabeça.
Talvez me beijes, como antigamente, 
talvez inda dê tempo, antes do inverno...
 

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Rita Bittencourt - "PRESENTES DE NATAL"

      Sempre fui louca pelo Natal. Por essa magia que paira no ar e nos enleva e transforma e nos torna bons e crianças, e generosos, e entusiasmados. Por uns tempos esquecemos  as mágoas e dificuldades e vamos em frente com alegria.
      Meu Deus, como já fui feliz! Quantos natais maravilhosos, cheios de árvores, de renas imaginárias, de bolas coloridas, de estrelas brilhantes, de risadas roucas de Papai Noel! Quantos natais encantados cheios de magia e inocência, de esperas furtivas, de noites de sonhos! Eram simples mas tinham magia. Éramos pobres e felizes. Tínhamos uns aos outros...
Tinham sapatinhos nas janelas sim,  que limpávamos e engraxávamos para agradar Papai Noel. Tinham cartinhas para o Polo Norte, cheias de juras de amor ao bom velhinho e de mentiras a respeito do nosso comportamento nem sempre impecável. Pedidos possíveis e impossíveis. Histórias maravilhosas...
      Num Natal, minha irmã Cristina, pediu que nossa cadela Bolinha  " ficasse com a barriga cheia de cachorrinhos". Sorte! Bolinha pariu, na véspera do dia 25, uma ninhada de seis. Maravilhosos bichinhos! O presente sobrou para todos: Noites indormidas na solidariedade de ajudar Bolinha a cuidar das crias. Tetas  não davam conta de tantas mamadas... Mamãe fazia mamadeira de leite aguado... cachorrinhos se enroscando pelas nossas pernas com olhinhos fechados, tateando o mundo. Maravilhosos viralatinhas  que jamais  permitimos que saíssem de nossas beiras, por maiores que fossem os protestos de mamãe, mulher prática, decidida, vencida nessa luta, com a ajuda poderosa do papai que enchia mamãe de beijos e amolecia o coração dela piscando, de soslaio, pra gente. Nós, meninas exercemos, junto com Bolinha, o ofício de mãe. De cachorrinhos, é bem verdade, mas como verdadeiras mulheres e mães que nos tornamos. Solidárias,   amigas de nossa cadela que sempre foi a amiga de todas as horas e folguedos... Assim, aprendemos a ser amigos dos amigos, solidárias, presentes, felizes, felizes, felizes... Presente inesquecível!
      Noutro Natal, pedi uma caixa de lápis-de-cor com todas as cores que existissem. Queria ser pintora e pintar o mundo! Ganhei uma caixa de seis cores e, por muito tempo, aquelas foram para mim todas as cores do universo: azul, amarelo, vermelho, verde, branco e preto. Depois descobri que estas eram, mesmo, todas as cores do universo. Misturadas formariam todas as outras. Fui tão feliz com meus lápis... Meu Deus, como foram preciosos...
      Noutro Natal Regina pediu um pônei - morávamos no interior, quase roça, nos confins da Bahia, papai, um aventureiro que carregava sua família sagradamente para  onde lhe impelia seu ofício. Papai trouxe-lhe um filhote de jegue, emprestado por uns dias, de um amigo. Questionamos - "Mas, papai, isso é um jumento"! - Papai, esperto e enganador, retrucou: - "Não é. É só um pônei desengonçado e aproveitem pois o Papai Noel só o emprestou!" Não é preciso dizer que o nosso jumentinho foi o "pônei" mais maravilhoso que poderiam ter, três menininhas sonhadoras... Até que ele se foi...
      Noutro Natal Cristina ganhou uma franguinha que chamou Cocó. Queria pintinhos... E por muitos e muitos meses, colocou  a Cocó para "cruzar" com a pata. A pobre da Cocó já não aguentava mais aquele ritual de carregar a pata nas costas. Decididamente, nunca se amaram! Ganhamos, noutro Natal, três anáguas com grossas barbatanas na barra. Vieram de uma" Papai Noel" lá da cidade, de uma tia metida a estilista. Vitória, "cidade grande"... Parecíamos três abajures! Vestidas iguaizinhas, vestidos bordados pela mamãe, rabinhos-de-cavalo  e franjinhas emplastadas de sabonete para domar a rebeldia dos cachos. E felizes portadoras das "peças íntimas" mais cobiçadas  do vilarejo, orgulhosas, rodopiando com nossos vestidos, que nem baiana de escola de samba... E crescemos assim, carregadas de sonhos...
      O máximo, no entanto, foi nossa cabaninha de chocolates. Que tomaríamos posse um dia, disse papai... era uma questão de tempo, os negócios, viagens, etc. e tal... Ele, na Noite de Natal, lindo, solene, emocionado, com seu discurso mágico e encantador, nos descreveu o lugar, no meio de uma floresta distante, a casinha tosca feita de doces, as portas e janelas de lascas de chocolate, o telhado de suspiros, as paredes encrustadas de jujubas... Amo jujubas até hoje e elas ainda são mágicas... Ah, das torneiras saiam Q-suco. E sonhos... E por muito tempo papai "protelou" a nossa "posse" até que, maiorzinhas, e já espertas, paramos de cobrar para que o sonho não morresse. Queríamos que nossa cabaninha ficasse lá, nos aguardando para tomar posse um dia... O que nenhuma de nós jamais ousou! Anos mais tarde, mamãe nos confidenciou que aquele foi o Natal mais "duro" da nossa história, cheio de dificuldades financeiras, papai quase falido... Entretanto, o mais encantador, o mais rico e o mais fascinante presente que três menininhas amadas poderiam almejar. Papai nos ensinou a sonhar!
Presentes maravilhosos que contribuíram para que três mulheres, hoje maduras e mães, pudessem seguir pela vida cultivando asas, perseguindo sonhos e acreditando que o importante mesmo, é a essência. Por isso, desejo que nesse Natal todos cavalguem seus "pôneis" desengonçados, que descubram que as cores do universo não precisam ser infinitas, que tenham a sorte de ver uma ninhada de cachorrinhos , que almejem pintinhos e que, sobretudo, sobretudo mesmo, jamais tomem posse de determinados sonhos.
                         Rita Bittencourt - Do livro "As Lágrimas de Maria" - Contos, Crônicas e Poesias
            Isso foi escrito há  anos mas, hoje dedico esse quase Conto de Fadas, para minha neta, Maria Eduarda, já com onze anos, desejando que seu pai, meu filho, possa lê-lo também...