terça-feira, 31 de dezembro de 2013

"NÃO IMPORTA, A ÁRVORE" - Rita Bittencourt

 
        Um homem estacionava seu caro todas as manhãs, embaixo duma árvore frondosa e florida. Sombra farta e fresca, carroceria salpicada de florinhas vermelhas - flamboyant... Á tarde, pegava seu carro e partia célere, o carro arejado, deixando as flores caírem pelo caminho. Era olhado com um certo romantismo pois passava salpicando o solo das flores que voavam - flores de um vermelho coral típico daquela árvore - até sumir na curva... Era tido como um homem bom, era amado pelas flores que deixava para trás, pela constância dos hábitos, pela aura de encanto que tudo isso lhe conferia. Certo dia, à tarde,  ao chegar,  a árvore que estava bichada jazia no solo, separada em pedaços, para o lixo. Por segurança - sabem como os flamboyants apodrecem, foi tombada. E aquele homem que aproveitou-se anos e anos da sua sombra e da alegria de suas flores, começou a esbravejar e chutar  os tocos estocados e a lamentar como seu caro estava quente e sujo. E a limpar com raiva  as flores vermelhas que coalhavam a carroceria do seu carro. Saiu desembestado e nenhuma flor voejou atrás como borboletas. Nunca mais voltou. É, assim é a vida, são assim os homens, somos assim...

domingo, 29 de dezembro de 2013

"CONVERSAS COM MARIA" - Rita Bittencourt






Maria é uma mulher bonita , elegante, cheirosa. Agora está apenas cheirosa. Incrível como a idade e a amargura  apagam os traços antes marcantes e belos, o entusiasmo de disfarçar aqueles traços desfavoráveis com um batom, uma franja, um lápis no olho.
- Partiram todos.
-É eles partes...
- E quando vêm têm o desconforto dos estranhos. Perscrutam o teto, falam do tempo, cruzam e descruzam as pernas, não sabem onde colocar as mãos.
- É verdade...
- Não fixam os olhos em nós, como se lhes pudéssemos ler as almas.
-É...
-Almas que conhecíamos tanto...
- É mesmo...
- Almas que mudaram tanto. O que trazem nelas que não vemos mais?
- Não sei. Mudaram...
-Têm medo de que lhes desnudemos as entranhas.
- Talvez...
- Será que mudaram tanto, que não os conhecemos mais?
- Talvez...
- E essa casa que nos dias de festas era tão alegre? Sempre fiz questão de gruda-los em mim nessas épocas de Natal e Ano Novo. Isso aqui fervilhava... Uma alegria só, os fogos pipocavam ao redor, estrelas caiam por todos os lados, eu lá e cá dando beijos e abraços em todos, José,  hoje tão doentinho, naquela alegria toda, observando a festa e gargalhando. Isso aqui coalhava de amigos que não tinham pra onde ir, que solicitavam  "convite" (?) pra cear. Acolhíamos estranhos que hoje nos vêm e nos desconhecem.  Champanhe, comidas, frutas, doces... E sempre cabendo mais um, que chegava pelo meio da noite...
- Estive por aqui em todas, em todos os momentos, em toda a sua vida...
-É você nunca me abandonou.
-Não posso...
- Por que não pode? Todos fazem isso, mais cedo ou mais tarde!
- Inda não é a tempo, Maria, não é do meu feitio, sou a face sem rebeldia... Mas tenho uma mala pronta para partir quando for chegada a hora.
- Uma mala, você não precisa de mala, sempre dá um jeito em tudo!
-É modo de dizer... Não é uma mala de verdade, é o chegar da hora, é determinação, é destino, é mando de Deus. E por tudo isso  inda   não posso  porque  tenho muitos à minha volta que riem com o meu riso, que choram com o meu choro, que se esperançam com o meu entusiasmo e que não partem, assim, por não ter mais o que dizer. Não partem, simplesmente,  essa partida com presença, porque têm muito a me dizer todos os dias,  porque me amam. Por isso não parto, por eles, não parto por você, pois  eu sou você! E vamos arrumar essa cara, colocar um vestido branco lindo, iluminar esses olhos verdes que Deus lhe deu, passar um batom, arrumar os cabelos e esperar esse 2014 de peito aberto pro que der e vier! E quando tudo terminar a gente vai pra CURITIBA!
- Combinado!