segunda-feira, 20 de outubro de 2014

"Tarde de Milagres" - Rita Bittencourt

 Caia a noite,  a chaleira apitou.
 Ferveu a água do chá....
Mas a moça não se levantou
ficou, ali, olhando o vapor subir como fumaça.
Uma borboleta passou pela janela,
deu uma volta longa, no ar, e voltou,
buscando a luz da cozinha, acesa.
Entrou sem cerimônia. Era uma mariposa
de olhos negros nas asas marrons
Linda!
Inadvertidamente
voou sobreo vapor  da chaleira.
Caiu no fogão, debateu-se e quedou-se.
A moça, triste, não quis mais chá...
Tomou a mariposa nas mãos
e o pó da sua penugem tingiu-lhe os dedos.
Delicadamente levou-a
para o resto de luz que partia, lá fora.
Jogou-a pro ar e ela voou
rumo a uma estrela,
a primeira, que brilhava
naquela tarde de milagres.

sábado, 27 de setembro de 2014

"A MOÇA, AS BORBOLETAS, A MENININHA E A LESMA" - Rita Bittencourt

Há um lado sagrado, da cama,
onde borboletas azuis pousam,
manhãzinha.
A moça, quando acorda,
emaranha-se nelas,
leve como algodão,
pra não ferir-lhes as asas translúcidas,
 orvalhadas de infinito.
E, rígida, ali fica
coberta de borboletas
que lhe tomam inteira,
deixando apenas o rosto nu,
como morta.
E a terra lá fora
arde e ruge,
meninos são mortos
e velhinhos tristes
caminham como lesmas,
lentos, cabisbaixos. Não têm mais, futuro...
E a moça lembrou-se
que uma menininha, ao encontrar uma lesma
lesmejando numa pedra,
virou-se para a avó e disse:
-"vó a concha tá com a língua de fora"!
Menininha inocente, não sabe que a lesma,
 como a moça deitada,
 
estavam inteiras, escancaradas de esperas,
sedentas, plenas de apelos,
com a cara e o corpo de fora,
 para os tapas do mundo.
Mas a moça, abraçada por suas borboletas,
encasulada de azul,
estava quase feliz, deitada naquele lugar sagrado,
 da cama...
 




domingo, 21 de setembro de 2014

"FELIZ ANIVERSÁRIO" - Rita Bittencourt

     Hoje fiz outro almoço de aniversário pra comemorar com minha "familhinha" de cá. Vieram todos e veio o "meu cachorro do meu filho", o Bóris, Bólinho, por quem fiquei perdidamente apaixonada. Nos abraçamos e nos beijamos com paixão - nunca pensei que fosse beijar cachorro! -  e eu sempre fico com sequelas: Rodelas roxas dos carinhos dele, meu amor bandido, que com seis meses já pesa 25 kg. O coração flutuando de notícias boas...  Mas, voltando ao almoço, cortei temperos - pilhas de tomates, cebolas, alhos - e fiz um Arroz de Polvinhos Bebês - tadinhos... - e Bacalhau à Espanhola. Pra arrematar, cuscuz com morangos em calda. Vinho e licor... Começou na cozinha - preciso de plateia - onde todos tomam um vinhozinho pra começar. A mesa, na sala, foi posta por muitas mãos. Todos ajudando... Contemplo do alto da minha maturidade o que construímos... felicidade, amor, solidariedade, harmonia, respeito, amigos... Emocionei-me sentada no lugar do meu marido e percebi que envelheço... Não havia tido, ainda, essa consciência, plena. Estou gostando... Dai, almoçamos como reis e, graças a Deus, ninguém se lembrou de cantar parabéns pois eu ia chorar! Aí, minha família partiu, papai retirou-se mais cedo e foi descansar. Fiquei só.  Na cozinha, na pia, pilhas de pratos grandes e brancos aguardam cuidados, segunda-feira. Fui para meu quarto, coloquei num programa qualquer e, quando "não vi" dormi! Acordei com os Beatles tocando na TV. E o tempo todo que eu dormia eu ouvia as músicas, pode? Acordei de vez, emocionada... Não troquei o canal! Como pode? E lembrei-me do Edson que um dia me pediu:
 - Fia, se um dia eu ficar de cama, sem poder manifestar-me, põe música pra mim?
 - Coloco, meu amor, todas, as mais lindas, não sairei de perto de você, serei suas mãos, seus pés, seus olhos, seus ouvidos, lhe cobrirei de beijos, passarei o calor de meu corpo pra você, ficaremos abraçados...  E nos emocionamos, nos beijamos e ele deu sua risada linda pra conter meu choro que aflorava, beijou meus olhos e disse que isso nunca iria acontecer, pra eu não entristecer-me... Não aconteceu, ele partiu, não da doença, mas da anestesia que não o deixou, mais, acordar!
     Como ando procurando um sinal, procurando- o por aí, pedindo a Deus a graça de permitir que o meu amor se comunique comigo fora dos sonhos, acho que, finalmente, tive a graça, o sinal, com a música que ele tanto amava... Ele a colocou para velar meu sono...
    Sonho com ele sempre, inclusive esta noite em que nos mudávamos para uma casinha antiga e simples com o reboco despencando e as janelas com a tinta descascada - eram três - que, longas e verdes, iam quase até o teto e lembro-me que estava feliz, feliz. E pra disfarçar a simplicidade e a ação do tempo, colocava cortinas nelas, estampadas de azul e verde esfumaçado, um estampado meio marmorizado, como tecidos pintados à mão. E nos abraçávamos, conversávamos e nos beijávamos tanto, e era tão real, e o sonho foi tão longo que acho que durou a noite inteira!
     Nesse momento inda ouço os Beatles: Oh! Darling, It's only love, This boy, And i lover her, Penny Lane,  Girl, Ticket to ride e por aí vai...
     A mesa onde almoçamos aguarda, também, a segunda-feira. Ainda tem por lá, duas taças de vinho vazias e uma de licor, uma garrafa de um tinto ótimo que aqueceu nossos corações e a solidão de uma mesa desarrumada dizendo que todos se foram...
     Nesse momento ouço Michelle... Repito baixinho a letra da música: " meu bem, eu te amo, eu te amo, eu te amo"!
    Foi um FELIZ ANIVERSÁRIO, MEU AMOR! Obrigada pela música! Os Beatles são o máximo!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

FALANDO DE MULHER... Rita Bittencourt

 
 
ALEGRIA é para mulheres corajosas
-cuidado, causa inveja.
BELEZA é para mulheres ousadas
- bastam-se e não vivem por ela.
CORAGEM é para mulheres de fé
-não curvam-se e nem quedam-se.
GENTILEZA é para mulheres sinceras
-flui como canto d'anjos.
TRISTEZA é para mulheres pacientes
- passa e volta, passa e volta...
SOLIDÃO é para mulheres que bastam-se
- saem da toca quando é a hora.
FELICIDADE é para mulheres que merecem
- buscam-na, não desistem, resistem, esperneiam
alardeiam, retêm-na.
AMIZADE - ah, deixa pra lá... é coisa pra dar...
AMOR é para todas - AGARRE-O!
VELHICE é para mulheres que amam-se, que amam
-alegram-se, são belas, corajosas, gentis, tristes ou felizes.
Desceram aos infernos e subiram aos céus muitas vezes...
Só morrem quando Deus quer!
 
Eu e minhas irmãs no meu atelier, no ano passado. AMIZADE!

domingo, 3 de agosto de 2014

VESTIDA PARA AMAR - Rita Bittencourt

 
 
 
Se eu tivesse um vestido desse o meu amor me diria: linda!
Se eu não tivesse um vestido desse o meu amor me daria.
E dançaria comigo em nossa sala onde estaria instalada
uma orquestra invisível de violinos e contra baixos que fremiam.
Me conduziria, com leveza, aos céus
e nos abraçaríamos
e nos beijaríamos
e nos estreitaríamos, tanto,
que, por esse abraço,
ele não partiria
 ou teria me levado junto.
Ainda estaríamos dançando...
Nas nuvens, meu amor...

segunda-feira, 30 de junho de 2014

"Gato Azul" - Rita Bittencourt

Há um gato azul no muro de pedra,
estático, olhar verde longínquo...
Um pássaro pousa em seu dorso,
 uma varejeira azulada rodopia em volta
e uma folha cai suavemente e dança
sobre ele.
Gato... gatinho?
Gato por que não me olha com seu
olhar de esperança?
O gato azul está morto, petrificado.
Talvez  vague no seu céu de gatos...
Um arrepio percorre minha alma.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

"kOMBI DE MUDANÇAS" - Rita Bittencourt

 
 
         Tenho todos os motivos para nostalgia, para o choro, para revirar os baús... Hoje dirigi, chorando, atrás de uma Kombi de mudanças - é, elas ainda existem. Lembrei-me das minhas conversas com o Edson e da dialética que um carro desses gerava entre nós. Eu, sempre nostálgica divagava entre o que estavam sentindo... Aquela família encarapitada na carroceria, uma mãe e umas crianças na boleia quase abraçados, uma certa tensão. O motorista cuidadoso e devagar. O que parecia o pai, às vezes com um, dois  garotos maiores que pareciam filhos, tentavam segurar colchões teimosos e trouxas de roupa pulando lá atrás. Um fogão, uma geladeira velha, umas guardas de cama, umas cadeiras toscas uma televisão magistralmente repousada no colo do pai, segurando-a com uma mão, deixando a outra para as eventualidades... Nessa mudança uma bandeira do Brasil tremulava na mão de um dos meninos e uma gravura de Mona Lisa, emoldurada de negro, sem vidro, tinha o seu sorriso enigmático transpassado pelo que parecia uma vara de pipa pois a cauda, de papéis de seda verde e amarelo, serpenteava ao vento saindo de trás do quadro. Os olhares atentos para que nada se perdesse. Não nos olhavam, olhavam o infinito atrás de nós ou o futuro à frente. E eu pensava e dizia para o Edinho quando isso acontecia e aplicava-se perfeitamente à situação de hoje:
-Acho que não nos olham porque têm vergonha.
-Né não, é o vento que não os deixa fitar. O vento corta o olhar - dizia ele.
- Parece que é tudo o que têm...
- Mas eles estão juntos, a família está unida - dizia ele.
- É, mas são tão pobres...
- Mas parecem felizes. Vê-se expectativa, zelo, esperança...
- Estão tão sujos...
-Mas estavam trabalhando na mudança. Lembra-se das nossas? Lembra-se do quanto você trabalhava  para embalar os cristais e as porcelanas, coisa que não deixava ninguém fazer? Ficava com a roupa imunda, o nariz sujo de pó, com os cabelos duros e linda, assim...
- Lembro-me... Eu ficava tão feliz com nossas mudanças. Tenho alma cigana...
- Pois é... e arrumar a casa nova? Não era tão bom? E dormir no chão no meio das caixas sobre um edredom? Fazer amor no chão? É o máximo!
 - É mesmo, meu amor...
- Não fique triste, eles estão bem - concluía.
E segui aquela Kombi atabalhoadamente, instintivamente, automaticamente, lágrimas caindo, anuviando  o caminho e quando me dei conta enveredava-me pela entrada do Morro do Dendê. Sem ter como recuar, ruela estreita, segui-os até parar pra perguntar como voltava pois já estava lá em cima. A vista, maravilhosa! O povo todo solícito veio me ajudar e crianças enfiavam as carinhas pela janela, curiosos, em algazarra. A Kombi perdeu-se, como uma cobra gorda, subindo a ladeira... Voltei chorando de emoção e de saudade. Todos tão felizes. Pobres e felizes como você dizia...
Obrigada por ter me ensinado tantas coisas... Obrigada, amarei você sempre, meu amor! 
 
 


quarta-feira, 18 de junho de 2014

"TOQUE EM DOBRE" - Rita Bittencourt


    É hora
do toque em dobre, dos sinos,
apunhalando gritos sem festa,
desconsolados em seus ecos, reverberando
nos carros que escoam
nas veias vivas das ruas sujas,
vagando no ar.
É hora
 do toque em dobre, dos sinos
que choram Marias sem ais,
meninas perdidas em desamor.
Dobram também
por meninos de olhos parados
mergulhados em latas de cola
enfiando a cara no oco escuro
do poço seco, fantasmagórico...
É hora
do toque em dobre, dos sinos,
que choram ruas ensanguentadas
e  dedos retesados, no gatilho.
Choram meninos mortos
e mães cansadas, esquálidas,
com seus lutos intermináveis,
sem lágrimas para consolo, secas,
olhos parados, sem ver.
É hora
do toque em dobre, dos sinos,
de repicar pelas águas
de janeiro a dezembro,
sujas, enlameadas,
que não alentam as entranhas da terra.
Antes, secam e gretam as almas.
Dia haverá que os sinos dobrarão por nós,
por nossos fantasmas...
 
Foto tirada em fevereiro de 2013, cálice de vinho, num jantar meu e do Edinho, quando a luz incidiu magicamente sobre o "suor" da taça gelada. E peguei minha câmera e fiquei, ali, tirando fotos, ele, olhando-me encantado com meu encanto... Daria minha vida por aquela noite!
 


sexta-feira, 13 de junho de 2014

"Brincos Caracois" - Rita Bittencourt

Safra antiga...
Quando mostrei pra ti
ganhei um beijo por cada "bolinha"...
E foram tantos beijos mais, meu amor!
 
Técnicas de murano sobre prata e ouro "marmorizado", desenvolvidas através de experimentação, e pérolas de água doce.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

PARA RETER VOCÊ...




Busco seu cheiro em suas roupas
mas elas foram lavadas enquanto estava ausente.
Restou  usada, a camisa de malha,
com a qual dormia e sua coberta.
De tanto que as usei,
e abracei, e beijei,
e as molhei de lágrimas,
para reter você,
pegaram meu cheiro, meu amor.
Mais que isso,
nossos cheiros se misturaram
e resta a nossa essência.
Camisa azul velha,
colcha de piquê azul clarinho...
Não sei o que farei quando as perder,
quando de nós  só restar
o cheiro de roupa suja e mofada....
Preparo-me para ver apenas
uma camisa e uma colcha velha,
em tempo de partir.
Afinal, se pessoas se vão,
coisas, por que não?

quarta-feira, 16 de abril de 2014

PROTEÇÃO


Fui caminhar, indagorinha. Tarde cinzenta e fria... Já não aguentava mais meu quarto me abraçando e tomando-me por inteiro, já não aguentava mais estar mergulhada naquela cama imensa sob um edredom que tem se apossado de mim, me envolvendo como se fosse um casulo. Eu me sentindo uma lagarta emaranhada em fios invisíveis sem saber o que fazer pra virar borboleta, querendo, na verdade, não virar, ficar ali para sempre. A televisão,  com vida própria, falando as coisas dela, o miado dos gatinhos da vizinha clamando por mãe, por comida, o som dos carros  correndo lá fora, vestígios de vida... Resolvi, vou caminhar! Tá tarde, eu sei, pode ser perigoso mas já passei tantos perigos nessa vida... E fui! Ruas desertas, o mar encapelado, a luz do dia partindo... E avistei um homem que vinha há uns 300 metros... Andava gingando. Mudei de "faixa". Ele também. Dei alguns passos e mudei novamente. Ele também. Aí, inflei o peito e enfrentei. Olhos nele, determinada. Caminhamos como num duelo. E qualquer medo ou receio que pudesse haver em mim sumiu de repente e pensei no meu Edinho: Ele deve estar aqui comigo me protegendo como sempre fazia. Deve tá voando sobre mim de braços abertos feito o Redentor e se esse homem vier fazer alguma coisa comigo o meu amor que agora, no céu, deve ter curado o coração e estar forte pra chuchu,  dará um murro tão forte  nele  que o jogará, voando,  no mar. E sei que vou ouvir sua gargalhada ao ver o pobre coitado tiritando de frio nessa noitinha cinzenta, lutando com as águas ondulantes e geladas da baia suja.
 A mais ou menos três metros de mim o homem desviou  pois me mantive firme torcendo, já na confiança e atrevimento, pra a imaginação se fazer real e eu saber com certeza  que o meu amor estava ali. Nos olhos do homem, quando passou por mim, olhando-me de soslaio, havia um brilho estranho... Tive a certeza! 

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Em cada canto dessa casa...

Há uma ausência em cada canto dessa casa, incompleta sem ti... Meus passos arrastam-se e meu corpo, leve, agarra-se  ao chão com  peso de mil anos, ávido de ficar ali para sempre, inerte, sem vontades... Os lugares já não são os mesmos sem tua presença. Cada canto  silencioso, meio que chora minha dor. Sua cadeira , lá fora, onde via os passarinhos e dava  conta de todas as flores
 e folhas que nasciam, espera teu retorno. Lá, sentava-se à tarde e comentava do bando de patos que passavam grasnando, da cor do crepúsculo, do Cristo de braços abertos no cimo de sua montanha, do espelho d'água que a baia formava sem o vento... Conversávamos, falávamos da vida, do nosso filho, da nossa família, do que vivemos, da sorte de termos nos encontrado um dia. E me chamava de linda, meu amor, Fia, Fioca e me olhava com o olhar cor de mel mais lindo e amoroso do mundo. Nos abraçávamos, nos beijávamos... Sinto tua presença, busco em cada canto teu vulto, o eco de tua gargalhada, o calor do teu abraço, teu cheiro, teu canto pois sabia todas as músicas... Sinto tanto a tua falta, há tanta saudade em mim que, tomada dela flutuo em agonia. Penso que nunca mais serei feliz pois nossa felicidade foi tão grande e plena que nem nós mesmos a repetiríamos. Ah, como fomos felizes, meu amor. Como fomos felizes... Aguardo ansiosa o dia em que eu possa ir pra ti. AMOR, AMOR, AMOR!

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

"MINHA MÃE" - Rita Bittencourt

A luz difusa iluminava os cabelos dela,
que eram lindos, plumbios, em cachos
e os olhos de mel, pesados de sombras e cílios ralos
pestanejavam na solidão do silencia. Plitz, plitz...
Quase tristes...
Fitava longe... Acho que nem via aquela máquina antiga de tirar fotos
onde um homem escondido sob um pano preto colhia "milagres".
Naquele momento o mundo era assim, aquela caixa que a continha,
eternizando-a como uma joia de família...
 
Amor, mamãe. Saudades...
Dois anos e quatro meses... Dê notícias, por favor...
 
 

domingo, 26 de janeiro de 2014

"Engula as Lágrimas" - Joia autoral - Rita Bittencourt


ENGULA AS LÁGRIMAS!
Quando lhe falaram - Engula as lágrimas! - em tempos tão distantes,
engoliu todas, uma a uma, e reteve-as nas entranhas.
Assim aprendeu a guarda-las. E foram tantas, tantas, que, engolidas,
empedraram, escondidas no oco do seu ser.
E o peso dessas lágrimas que pesavam tanto, arqueou-a.
E, jovem, ficou velha, lenta em gestos,

prenhe de pranto,
olhos embaçados e tristes,
 mira perdida no infinito.
E por lá ficou
aquele olhar quedado,
parece que para sempre.
Diziam que era louca...


Joia Autoral elaborado em titânio, "bordado" em nuances matizados, técnica desenvolvida pela autora. Prata, pérolas cultivadas e contas de ametista.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Tenho mania de abraçar e beijar. Parei, fui mal interpretada algumas vezes... Certa vez num desses cursos livres de joalheria, no SENAI, tinha uma aluna, mulher madura, gordinha, quase feia, sem ser, de olhar e aspecto triste, colega de turma. Estava sempre quieta, absorta, trabalhando AVIDAMENTE, arqueada sobre o exercício, como se o escondesse. Lá pro fim do curso, a turma já entrosada, antes do intervalo para o lanche, cheguei perto daquela solidão que ela passava, dei-lhe um beijo no ombro e passei a mão na sua cabeça. Um gesto de solidariedade, de afeto por aquela pessoa tão escondida dentro de si mesma... Pouco depois, no "recreio", estava quase a turma toda reunida. As mulheres conversavam baixo, como se confabulassem e quando me aproximei, todas se calaram, meio assim, "onde coloco minhas mãos"? Dirigi-me ao grupo e ninguém conversou comigo. Saí, sem graça, disfarcei e fiquei pensando, "o que fiz de errado, por que me alijaram? Descobri que foi o beijo gratuito, o carinho, mal interpretado... Françoise Sylvia Perret deve lembrar-se disso pois estava no grupo e no dia seguinte passou-me um texto por e-mail, um estudo sobre a importância do abraço, onde umas pessoas na rua distribuíam abraços gratuitos. Parece-me que isso correu o mundo... Eu que sempre fui tão amada, beijada e abraçada praticava esses afetos gratuitamente quando achava necessário, quando via alguém triste e solitária, arisca, em defesa, sem nenhuma outra conotação que não fosse o de dizer "EU TE AMO COMO AMO O UNIVERSO INTEIRO, COMO AMO TODOS OS SERES, O DIA, A NOITE, EU TE ABRAÇO E TE BEIJO POIS SOU GRATA E FELIZ E QUERO UM POUCO DISSO PARA TI"! O que será que pensaram ou falaram de mim? Pode um beijo, um carinho, fazer mal? Quando terminou o curso, na frente de todos, fiz questão de abraçar Françoise, bem apertado, mostrando a importância do abraço, do afeto e distribuí um poema para todos, que não tinha nada a ver com o episódio, mas que falava de gratidão e esperança.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A sabedoria

1" O bom nome é melhor
do que um perfume finíssimo,
e o dia da morte é melhor
do que o dia do nascimento.
2 É melhor ir a uma casa onde há luto
do que a uma casa em festa,
pois a morte é o destino de todos;
os vivos devem levar isso a sério!
3 A tristeza é melhor do que o riso,
porque o rosto triste
melhora o coração.
4 O coração do sábio
está na casa onde há luto,
mas o do tolo, na casa da alegria.
5 É melhor ouvir
a repreensão de um sábio
do que a canção dos tolos.
6 Tal como o estalo de espinhos
debaixo da panela,
assim é o riso dos tolos.
Isso também não faz sentido.
7 A opressão transforma o sábio em tolo,
e o suborno corrompe o coração.
8 O fim das coisas é melhor que
o seu início,
e o paciente é melhor que o orgulhoso.
9 Não permita que a ira domine depressa
o seu espírito,
pois a ira se aloja no íntimo dos tolos.
10 Não diga: "Por que os dias do passado
foram melhores que os de hoje?"
Pois não é sábio fazer esse tipo de pergunta.
11 A sabedoria, como uma herança,
é coisa boa, e beneficia aqueles
que veem o sol.
12 A sabedoria oferece proteção,
como o faz o dinheiro,
mas a vantagem do conhecimento é esta:
a sabedoria preserva a vida
de quem a possui.
13 Considere o que Deus fez:
Quem pode endireitar
o que ele fez torto?
14 Quando os dias forem bons,
aproveite-os bem;
mas, quando forem ruins,
considere:
Deus fez tanto um quanto o outro,
para evitar que o homem descubra
alguma coisa sobre o seu futuro.
15 Nesta vida sem sentido
eu já vi de tudo:
Um justo que morreu
apesar da sua justiça,
e um ímpio que teve vida longa
apesar da sua impiedade.
16 Não seja excessivamente justo
nem demasiadamente sábio;
por que destruir a você mesmo?
17 Não seja demasiadamente ímpio
e não seja tolo;
por que morrer antes do tempo?
18 É bom reter uma coisa
e não abrir mão da outra,
pois quem teme a Deus
evitará ambos os extremos.
19 A sabedoria torna o sábio
mais poderoso
que uma cidade guardada
por dez valentes.
20 Todavia, não há um só justo na terra,
ninguém que pratique o bem e nunca peque.
21 Não dê atenção
a todas as palavras que o povo diz,
caso contrário, poderá ouvir
o seu próprio servo falando mal de você;
22 pois em seu coração você sabe
que muitas vezes você também
falou mal de outros.
23 Tudo isso eu examinei mediante a sabedo­ria e disse:
Estou decidido a ser sábio;
mas isso estava fora do meu alcance.
24 A realidade está bem distante
e é muito profunda;
quem pode descobri-la?
25 Por isso dediquei-me a aprender,
a investigar, a buscar a sabedoria
e a razão de ser das coisas,
para compreender
a insensatez da impiedade
e a loucura da insensatez.
26 Descobri que
muito mais amarga que a morte
é a mulher que serve de laço,
cujo coração é uma armadilha
e cujas mãos são correntes.
O homem que agrada a Deus
escapará dela,
mas o pecador ela apanhará.
27 "Veja", diz o mestre, "foi isto que desco­bri:
Ao comparar uma coisa com outra
para descobrir a sua razão de ser,
28 sim, durante essa minha busca
que ainda não terminou,
entre mil homens
descobri apenas um que julgo digno,
mas entre as mulheres
não achei uma sequer.
29 Assim, cheguei a esta conclusão:
Deus fez os homens justos,
mas eles foram em busca
de muitas intrigas."
ECLESIÁSTICO